Não (,) há amor (.) como (–) o primeiro

Sobre / About There is no love like the first

 

Não(,) há amor(.) como( –) o primeiro

 

[Hipóteses:

1. As várias formas de amar a sentença (a máxima ou a tradição).

2. As várias formas de incorporação no/do amor.

3. Formas de fazer (e desfazer) lei no/do amor.

Etc.]

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A Sentença.

Sobre Não há amor como o primeiro:

o título confunde-se com o provérbio ou a máxima. Poder-se-ia dizer que a frase que aqui intitula se aproxima do que seria a prescrição de uma regra, de uma lei se vai configurando e cristalizando através de modos de transmissibilidade. Noutras palavras: a herança de uma sentença. Nela apresentando-se uma inevitabilidade: “Não é, não se passa, de outra forma. Por mais tempo que passe, isto é lei inabalável. Afirmo certo, convicto, não há amor como o primeiro!”.

Na máxima deste modo exposta de imediato a cristalização. Cessa o movimento do pensar e simultaneamente estabelece-se a lei.

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Decomposição.

Toda a questão da lei, da regra, da firme certeza do gesto calculado, do movimento ajustado ao seu lugar, em suma da convenção no movimento da dança, assoma na peça “Não há amor como primeiro”. Não se trata simplesmente de uma atitude de rejeição face à ideia de movimentos fixados (e portanto de certo modo a cessação do gesto), mas a subversão a partir dessa mesma fixação, a decomposição de tal cristalização tomando-a como lugar de partida.

Um amor que se dá é também a aprendizagem. Ainda que se constitua compreensão do lugar onde não podemos ficar, o (primeiro) amor, aquele que terá de ser abandonado, é simultaneamente a marca que transportamos connosco.

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Irrupção.

Memória corporal - do amor e do abandono.

O que acontece em Não há amor como o primeiro não é o salto, uma total ruptura com a lei tradicional da dança, mas por dentro desses mesmos gestos repetidos, rasgar, abrir zonas de interrupção/ irrupção.

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Entrada e saída.

Toda a peça é o movimento de entrada e saída.

Esse vai-vêm amoroso, essa distância e proximidade simultânea, do que sempre nos acompanha sem nunca connosco se fundir, é o que trazemos connosco na escuridão que atravessamos. O que se passeia connosco, na treva do que desconhecemos ainda, é a pequena luz de presença desse rasgado amor que nos possibilita perceber e acompanhar alguns dos gestos feitos na escuridão. Retomar o gesto uma vez mais, repetir o gesto percebendo a forma como se rompe, isto é, a sua inesgotabilidade, a irrupção que acontece na repetição do mesmo corpo dançante, rasgando assim o tecido da lei.

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A errância.

Há também, nesta peça, o cigarro, pequeno indício da infracção à lei e que aponta para o gesto desnecessário (o fumar como o esvaimento em fumo, o esfumar, apagar, reduzir à cinza) e a luz desse delito, essa pequena ponta laranja - um pequeno farol na nossa cegueira. Também esse cigarro, certeza do nosso desejo pela desordem, pelo que é sem razão, pela errância, é guia do nosso olhar no mais escuro dos cenários.

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Luz e escuridão.

Quando a luz se acende - intervalos cadenciados - vemos imagens soltas de um corpo vergado, esticado, enrolado. Sabemos que o corpo se move, mas só o sabemos na escuridão. A luz coincide com a cessação do gesto. Retemos um instante fixado no momento em que a luz dá a ver - tão rápida como um flash. Fica (na nossa memória) a imagem petrificada do que seria um corpo aceso.

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Jogos.

É a pequena ponta do cigarro que oferece o gesto, porque se move com o corpo, porque o acompanha na sua flexibilidade, na sua errância por dentro da escuridão. Há pois, a entrada e a saída, dentro e fora do palco. Entrar na escuridão e sujeitar-se aos flashs repetitivos; sair. Contra a escuridão total: a pequena centelha; contra as luzes da fixação (cristalização): a escuridão. Jogo de luz e sombra, é preciso fugir às totalizações do que seria a permanência da luz ou a permanência da sombra.

Texto de Elisabete Marques

 

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Não(,) há amor(.) como( –) o primeiro


[Hypotheses:

1. The various forms of loving the sentence (the maxim or the tradition).
2. The various forms of incorporation in /of love.
3. Ways to make (and undo) law in/of love.
Etc.]

The Sentence.

About There is no love like the first:

the title is mixed up with the proverb or the maxim. It could be said that the phrase that titles here is close to what would be the prescription of a rule, of a law that goes setting up and crystallizing through modes of transmissibility. In other words: the legacy of a sentence. In it presenting an inevitability: “It’s not, it doesn’t go, in other way. As much time passes, this is an unwavering law. I say sure, convict, there is no love like the first!” In the maxim exposed this way, the immediate crystallization. Stops the movement of the thought and simultaneously the law is established.

Decomposition.

The whole issue of law, of rule, of the firm certainty of the calculated gesture, of the movement adjusted to its place, in short, the convention on the movement of the dance, looms in the play There is no love like the first. It is not simply an attitude of rejection towards the idea of fixed movements (and thus, in a certain way, the cessation of the gesture) but the subversion from that same fixation, the decomposition of such crystallization taking it as a departure place.

A love that is given is also the learning. Even if it constitutes the understanding of the place where we cannot stay, the (first) love, the one that must be abandoned, is simultaneously the mark that we carry with us.

Irruption.

Body memory – of the love and abandonment.
What happens in There is no love like the first is not the jump, the total break with the traditional law of the dance, but under those same repeated gestures, rip, open areas of interruption/irruption.

Entry and exit.

The entire piece is the movement of entry and exit. That amorous to and fro motion, that simultaneous distance and proximity, of whatever accompanies us without ever merging with us, it’s what we bring with us in the darkness we cross. What rides with us, in the darkness of what we still unknown, is the small light of presence of that ripped love that enables us to understand and follow some of the gestures made in the dark. Resume the gesture once again, repeat the gestures realizing the way it breaks, this means, its inexhaustibility, the outbreak that happens in the repetition of the same dancing body, tearing the tissue of the law.

The wandering.

There is also, in this play, the cigarette, little evidence of the offense of the law and that points to the unnecessary gesture (the smoke as the faint in smoke, the scumble, erase, reduce to ash) and the light of that delict, that little orange tip – a small beacon in our blindness. Also that cigarette, sureness of our desire for disorder, for what is without reason, for wandering, is the guide of our look in the blackest of the scenarios.

Light and darkness.

When the light goes on – cadenced intervals – we see random images of a body bent, stretched, curled. We know that the body moves, but we only know it in the darkness. The light coincides with the cessation of the gesture. We retain a fixed instant in the moment the light gives to see – as quickly as a flash. Remains (in our memory) the petrified image of what would be a body alight.

Games.

It is the small tip of the cigarette that delivers the gesture, because it moves with the body, because it accompanies it in its flexibility, in its wandering inside the darkness. There is therefore, the entry and exit, inside and off the stage. Entry in the darkness and be subjected to the repetitive flashes; leave. Against total darkness: the little spark; against the lights of fixation (crystallization): darkness. Game of light and shadow. We must escape from the totality of what would it be the permanence in the light or in the shadow.

 

Text by Elisabete Marques

 

 

 

© Vera Sofia Mota 2024